Memorial da AMP/RS relembra trajetória do procurador de Justiça Lauro Pereira Guimarães
Dando continuidade à série que preserva a história da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (AMP/RS), o Departamento do Memorial Sérgio da Costa Franco relembra, nesta edição, a trajetória do procurador de Justiça Lauro Pereira Guimarães. A iniciativa homenageia integrantes do Ministério Público que deixaram sua marca não apenas na área jurídica, mas também em campos como a literatura, o nativismo, o esporte e ações de cunho social.
Ex-procurador-geral de Justiça e ex-presidente da AMP/RS, Lauro Pereira Guimarães dá nome ao Galpão Crioulo localizado na Sede Campestre da entidade. Local destinado a reuniões, eventos sociais e confraternizações dos associados.
Publicada periodicamente, a série do Memorial tem como propósito valorizar a história da instituição e destacar aqueles que contribuíram de forma significativa para a construção e o fortalecimento do Ministério Público gaúcho.
Lauro Pereira Guimarães
Um homem de bem, tribuno, Promotor Público e um líder!
É com muita honra que, a convite do Memorial da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, de forma muito resumida, trazemos alguns registros sobre a importante trajetória e contribuições para o serviço público, Instituição, Associação do Ministério Público gaúcho e brasileiro, do homem público exemplar, promotor público e Procurador de Justiça Lauro Pereira Guimarães.
Natural de Taquari/RS, ingressou na carreira do Ministério Público influenciado pela forte vinculação da família com o serviço público. Filho de professora, seu avô materno foi prefeito (intendente) da cidade de Taquari por quatro mandatos assim como seu pai e tio também o foram, por vários anos. Já o avô paterno foi juiz municipal por mais de trinta anos na mesma cidade. Seu tio, e padrinho, foi promotor público.
Como afirmou em depoimento ao Projeto Memória, da Instituição, na infância, “nas reuniões de família, nas casas paterna e avoengas, ouviam-se somente assuntos públicos. Respirava-se Política, Administração, Justiça”.
Formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1956, iniciou sua atuação política ainda durante a graduação, como chefe de gabinete da Secretaria de Obras Públicas do Estado, sob o comando do Engº Euclides Triches, que veio, ao depois, a ocupar o cargo de Governador do Estado.
Inspirado por um jovem promotor público, seu amigo, o Dr. Alceu Loureiro Ortiz, ingressou no Ministério Público em 24/10/1957. Iniciou suas atividades institucionais na Comarca de Iraí. Atuou, na sequência (por remoção ou promoção), nas Comarcas/Promotorias de Três Passos, Carazinho, Ijuí e Passo Fundo. Foi promovido para a quarta entrância em 19/05/1969. Em 23/03/1971, por nomeação do Governador Euclides Triches, assumiu o cargo de Procurador-Geral de Justiça, função que exerceu por três anos. Em 16/10/1975 foi promovido ao cargo de Procurador de Justiça.
Naquele contexto histórico em que o Dr. Lauro Pereira Guimarães exercia as funções no interior do Estado, o Ministério Público atuava, como ainda o faz, de forma marcante na área criminal. Mas não só. Nas comarcas instaladas em cidades pequenas, as funções hoje exercidas pela Procuradoria-Geral do Estado e Defensoria Pública, nas demais áreas do direito, eram atendidas pelo promotor público. As atuações nas Curadorias de Família, dos Incapazes (como eram conhecidas) e trabalhistas, em que não houvesse Juntas de Conciliação e Julgamento, bem como a representação do Estado em juízo, ficavam a cargo do promotor público.
Na capital, em 1970, assumiu a presidência da Associação do Ministério Público, com ele tomando posse Victor Gioscia (vice-presidente), Euzébio Cardoso da Rocha Vieira (secretário), Eluy José de Oliveira Brito (tesoureiro) e Marco Aurélio Moreira de Oliveira (bibliotecário). Na seara associativa liderou importantes realizações, como a aquisição da Sede Campestre e o relançamento da Revista do Ministério Público.
Em 1971, como antes registrado, atuando como promotor público de 4º entrância, foi indicado e nomeado para exercer o cargo de Procurador-Geral de Justiça, tendo atuado até 1974.
Acompanhado de qualificados e sonhadores colegas de administração, e poucos servidores (em torno de 15), liderou uma gestão que foi marcada por dar andamento a profundas reformas administrativas e institucionais. Foi pilar de uma geração que semeou ideias capazes de provocarem avanços vigorosos na história do Ministério Público).
As sementes lançadas, os sonhos e as realizações daqueles dedicados promotores contribuíram decisivamente para impulsionarem mudanças legislativas, constitucionais e associativas que, transformaram significativamente o perfil da Instituição. Atuavam eles, assim como todas lideranças que os antecederam e sucederam, com a compreensão de que a permanente legitimação da Instituição se faz com união, correção, fraternidade, respeito à pluralidade, liberdade de pensamento, presença e trabalho incansável. Este foi o valioso legado a nós transmitido.
É importante registrar, além de outros tantos, não citados, porque muitos e para evitar injustiças, que o Dr. Lauro, quando de seu depoimento ao Memorial, de forma exemplificativa, manifestou profunda gratidão às contribuições de vários colegas de Instituição: Gibran Bahlis, Francisco José Pinós Lobato, Edison Barbosa Cécere, Ladislau Fernando Röhnelt, Antônio Ricardo de Medeiros, Procuradores de Justiça, Alceo Moraes Almeida, Edgar Armindo Laux, Nei Fayet de Souza, Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira, Onemir Machado Schultz, Euzébio Cardoso da Rocha Vieira, Francisco Lutzemberger, Itálico José Marcon, Luiz Carlos Verzoni Nejar, Joaquim Maria Machado, Mondercil Paulo de Maraes, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Sérgio da Costa Franco, Alceu Loureiro Ortiz e Paulo Cláudio Tovo, Promotores Públicos, além da senhora Thereza Lavra Pinto Raffo, secretária. Mencionou, também, no ambiente da Associação do Ministério Público, as contribuições de Ivâneo Pacheco, seu antecessor na presidência da entidade classista, Euzébio Cardoso da Rocha Vieira e Sylo Soares.
A administração do Ministério Público, naquele período, transferiu a sede da Procuradoria-Geral de Justiça, então locada, sediada na Rua Riachuelo, para novo prédio mais adequado e condigno, na Avenida Borges de Medeiros, levou a cabo a criação de cargos técnicos e assessorias, estruturou a Corregedoria com promotores adjuntos (hoje chamados Promotores-Corregedores) e consolidou a autonomia das ações do órgão correicional. Visionário, presidiu o fortalecimento dos estágios probatórios com caráter pedagógico, formador de lideranças com perfil institucional e compromissos com a sociedade. Promoveu diversos seminários regionais e debates jurídicos. Em sua gestão, também, foram fornecidos os primeiros equipamentos, máquinas de escrever, aos promotores públicos que ingressaram.
Liderou, com a colaboração técnica de promotores assessores, que o acompanhavam, a redação das propostas e construiu, com sua invulgar capacidade de comunicação e política, a aprovação, na Assembléia Legislativa, da Lei Orgânica e do Estatuto do MP (1973).
Promoveu, em agosto de 1972, a primeira representação atacando legislação municipal, do Município de Santa Rosa, por afronta à Constituição. A pretensão foi acolhida por unanimidade pelo e. TJRS. Segundo registros no Memorial, essa “iniciativa pioneira pretendeu preencher – mediante construção hermenêutica e simetria constitucional – o vazio do jus positum, por efeito do qual faleciam ao Estado (lato sensu) meios processuais, instrumentos legais para expulsar do Ordenamento Jurídico diploma ou ato normativo municipal, violador de princípio ou norma da Lei Maior.”.
A discussão enfrentou duas preliminares: a competência do Tribunal de Justiça para enfrentar e declarar, em tese, inconstitucionalidade de lei municipal; e legitimidade ativa do Procurador-Geral de Justiça para a propositura da respectiva ação. As teses institucionais, como mencionado, foram acolhidas por unanimidade. Segundo registrado pelo Dr. Lauro, esse “... julgado, pioneiro – como decisão judicial em todo o País – constituiu-se em marco histórico na reafirmação e integralidade do controle jurisdicional da constitucionalidade das leis e ampliação relevante da legitimidade ativa do Procurador-Geral de Justiça como guarda do ordenamento jurídico (v. Revista do Ministério Público, Nova Fase, nº 1, pp. 147/155; nº 2, pp. 119/126)”.
Por outro lado, liderou, com seus pares, num brilhante trabalho coletivo, ações institucionais do Ministério Público brasileiro, com diversas propostas legislativas, concebidas em sua assessoria jurídica, que resultaram na consolidação das hipóteses de intervenção da Instituição previstas no Código de Processo Civil de 1973.
Os movimentos tiveram como base, conforme asseverou o Dr. Lauro, no “admirável trabalho do Colega Sérgio da Costa Franco”, apresentado no 1º Congresso Nacional do Ministério Público, em São Paulo, no mês de dezembro de 1971. Foram inseridos, pelas ações conjuntas e apoio no Congresso Nacional, com apoio vital do Deputado Amaral de Souza, no texto do Código de Processo Civil, os artigos 82, II, 138, I, 236, parágrafos 1º e 2º e 499, parágrafo único, tratando, respectivamente, de intervenção obrigatória da Instituição em razão da natureza dos direitos examinados na ação, disciplina sobre impedimentos, obrigatoriedade da intimação pessoal dos agentes do Ministério Público e legitimidade recursal. Avanços significativos.
Tais avanços, ao depois, além de outras hipóteses previstas em leis esparsas, viabilizaram a edição da Lei da Ação Civil Pública e, mais adiante, abriram as portas para a consolidação das legitimidades atribuídas ao Ministério Público fora do âmbito penal no processo constituinte, que culminou em 1988. Tais reconhecimentos, feitos pelos constituintes, tiveram como origem o respeito da sociedade pelo trabalho que sempre foi desenvolvido pelo Ministério público, vinculado com os mais relevantes interesses da Sociedade Brasileira.
Defensor intransigente da autonomia institucional, independência funcional e da dignidade do Ministério Público, defendia a ideia de que a Instituição se construiu a partir da atuação abnegada dos promotores nas comarcas – sendo estes a verdadeira face do Ministério Público perante a sociedade.
Seus registros resgatam o protagonismo de uma geração idealista, que consolidou os alicerces do moderno Ministério Público brasileiro, muito antes das garantias positivadas na Constituição de 1988. Seu legado permanece como testemunho da fé no direito, da ética pública e da construção institucional pela via do trabalho, da coragem e do respeito à memória.
Ações afirmativas vigorosas na construção e manutenção das prerrogativas do Ministério Público foram, sempre, a tônica das posturas adotadas pelo Dr. Lauro Pereira Guimarães.
Foi um grande líder! Conduziu os rumos da Instituição e da Associação do Ministério Público Gaúcho incluindo a todos, reunindo colegas de forma respeitosa, fraterna e plural.
Encerrado o período de exercício do cargo de Procurador-Geral de Justiça, em maio de 1974, estando no Quadro Especial, por designação do então Governador Sinval Guazelli, assumiu a presidência da Cia. União de Seguros Gerais, então empresa vinculada ao Banrisul, até que, promovido ao cargo de Procurador de Justiça, por antiguidade, aposentou-se.
Na gestão do Governador Amaral de Souza exerceu, por dois anos, o cargo de Secretário de Estado de Cultura, Desporto e Turismo.
Na sequência, por convocação do Presidente da República, Gen. João Figueiredo, exerceu o cargo de diretor da EMBRATUR.
Voltando a Porto Alegre, foi convocado pelo Governador Jair Soares para presidir a Caixa Econômica Estadual.
Exerceu, ao depois, por muitos anos, a advocacia, com grande ênfase em demandas que tramitavam no Tribunal de Contas do Estado.
Merece especial referência, o que vem corroborado pelo testemunho de seus contemporâneos e confirmado pelas pesquisas realizadas no Projeto Memória, as afirmativas que seguem, feitas pelo Dr. Lauro Pereira Guimarães:
“Agente ministerial tocado pela chama desse ideal, não foram obra isolada de nenhum taumaturgo milagreiro: foi resultado de um mutirão de vontades convergentes, somatório de crenças solidárias, expressão da inconformidade criadora que nos aproximou e uniu numa só direção – embora individualidades diferenciadas, posições políticas divergentes, limpidamente assumidas e livremente exercidas, para cada um – e respeitadas por todos – unidade de pensamento e ação, na busca de iguais objetivos.
Este mérito – só este – reivindico para mim: o de identificar personalidades, reunir no mesmo projeto – o maior engrandecimento do Ministério Público do Rio Grande – energias, até ali, dispersas, vontades insuladas, idealismos silenciosos, bravuras disseminadas, de combatentes apartados no Universo da Classe, esparsos pelas fileiras da Instituição – e dar-lhes os meios a edificar a obra sonhada. O rumo, não lhes foi preciso apontar: - todos já o sabiam.
Estava na alma de cada um!” (...).
Sempre compartilhou as conquistas. Era um homem íntegro. Convivia harmoniosamente com diferentes formas de pensar. Manteve-se firme em seus princípios e, assertivo, de maneira clara e corajosa, protegeu àqueles que, por posições críticas ao governo exercido por militares, eram alvos do regime.
Defensor convicto da liberdade de pensamento, conquistou o respeito de todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo e de com ele conviver.
Um grande homem público, exemplo de conduta e dedicação, que honrou profundamente o Ministério Público.
Miguel Bandeira Pereira
Roberto Bandeira Pereira

